25 de abril de 2024 09:47

Discurso de ativista negra emociona e arranca lágrimas na Câmara contra o racismo; movimento comemora certificação de quilombola de Mato Dentro

Ela cobrou inserção, apoio ao Conselho e criticou que o negro é pouco lembrado na história de Lafaiete

O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado, no Brasil, em 20 de novembro. A data foi criada para coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares em 1965, ocasião dedicada à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira.

Comunidade comemorou o dia da consciência negra e a certificação quilombola de Mato Dentro, a primeira de Lafaiete/CORREIO DE MINAS

Ontem na Câmara, Érica Araújo Castro,  conselheira do COMPIR (Conselho Municipal pela Igualdade Racial) emocionou aos vereadores e ao público com um discurso afirmativo ao mesmo tempo tocando no racismo presente na sociedade. Ao final, Erika chorou, arrancou aplausos efusivos como também deixou nos corações a intensidade de suas palavras. “O negro coitado. O negro vítima. A negra boa para o sexo, mas não para o casamento. O adolescente negro sempre suspeito. Mas que serve para lavar o carro do vizinho ou cortar a grama por alguns reais. Namorar a filha, já é demais. A criança negra de cabelo de Bombril sempre a mais feia da sala. Às vezes, até da escola. Quanto mais escura mais feia. Quanto mais largo o nariz menos atrativo – vale para homem. Para mulher, então… O que tem alma branca de tão educado. Aquele que se está de terno é porteiro, se corre é ladrão. Dirigindo carro caro é motorista. Na sala de reuniões, só pode ser a secretária ou secretário. Resumindo: os descendentes de escravos. Chega. Chega!”, assinalou Erika na Tribuna.

Segundo ela, 54% da população brasileira é constituída de negros, parcela constituída de trabalhadores braçais, jogadores de futebol, capoeiristas, mas também enumerou cientistas, biólogos, estudiosos, historiadores de origem da raça. “É a permanente luta do povo negro brasileiro por encontrar seu lugar ao sol fora do alcance da chibata – seja ela real, seja ela metafórica – porque aqui chegaram trazidos à força durante a diáspora, separados de seus familiares e amigos, enfiados às dezenas em navios negreiros que eram reconhecidos ao longe por seu fedor de dejetos corporais e morte. Brutalizada e embrutecida, a população negra fez girar a roda da economia brasileira nos engenhos de cana de açúcar e nos garimpos das Minas Gerais. Hoje, sobre o próprio chão que pisamos, sangue negro foi usado de facão para abrir picadas que se tornaram o que chamamos de Estrada Real e de cimento para erigir casarões que ainda podem ser vistos pela cidade de Conselheiro Lafaiete”, lembrou.

A ativista Erica Araújo, presidente da Arafro e membro do Conselho de Igualdade Raial/CORREIO DE MINAS

A data de 20 de novembro é uma referência a Zumbi dos Palmares, morto em 20 de novembro de 1695, e de Dandara cuja luta celebram-se no dia de hoje. Porque não nos reunimos no dia da Consciência Negra para celebrar conquistas. Reunimo-nos para nos lembrar e nos fortalecer. Lembrarmo-nos de que a luta pela liberdade verdadeira, que virá no momento em que o povo negro for revestido de sua plena cidadania, está ainda em curso.

Não, o povo negro não se submeteu tornando-se o coitado da história. Ele lutou e por mais de uma vez assentou as pedras do caminho que conduziriam à sua própria liberdade.

Chibatas verdadeiras ainda cantam nos lombos dos escravizados modernos – às vezes literais, quando trabalham em condições análogas à escravidão. Os brasileiros não têm vergonha de serem racistas, mas têm vergonha de dizerem que são racistas. Ou de serem apontados como tal”, observou.

Segundo Erika, oito em cada dez brasileiros ricos são brancos e, em contrapartida, 3 em cada 4 pessoas das classes mais baixas são negras, lembrando que a população foi empurrada para os morros, locais distantes dos grandes centros. “Eu pergunto aos senhores e senhoras presentes. Onde podemos nos informar sobre a história dos negros na cidade?”, questionou.

Erika cobrou em seu discurso mais recurso em orçamento para as ações do COMPIR em favor da cidadania plena de todos os lafaietenses, com foco nos povos excluídos.

 Lideranças comemoram certificação da comunidade Quilombola de Mato Dentro

As lideranças do movimento negro de Lafaiete comemoraram a certificação como remanescente de quilombo de Mato Dentro através da Fundação Cultural Palmares, através da Portaria Nº 283, de 31 de Outubro publicada no Diário Oficial da União sendo autorizado o seu registro de certificação no Livro de Cadastro Geral nº 019, sob o nº 2.673, às fls 095. Esta é a primeira comunidade lafaietense reconhecida como quilombola. “É com imensa satisfação que recebemos a notícia que Conselheiro Lafaiete tem um Quilombo certificado . Em tempos tão difíceis ficamos extremamente felizes com a conquista daquele povo batalhador da localidade de Mato Dentro. Salve Zumbi, salve Dandara, Salve o senhor Narciso Bernardo (in memória ) e todos os seus ancestrais ! Sigamos firmes na luta por nenhum direito a menos !”, era a saudação nas redes sociais do Conselho Municipal Pela Promoção da Igualdade Racial de conselheiro. “O COMPIR em seu trabalho relevante em favor da comunidade negra local traz como destaque hoje essa que veio a ser uma de suas maiores vitórias: o registro do Quilombo de Mato

Senhor Narciso, falecido há pouco mais de 2 meses, foi fundamental para levantar a história quilombola de Mato Dentro/Reprodução

Dentro, antiga luta da comunidade local, hoje reconhecida como remanescente quilombola. E tudo isso, senhores, sem orçamento. Por isso, nesse dia em que relembramos a luta do povo negro ao longo da história, solicito e rogo aos senhores para que aprovem orçamento para esse órgão para que ele continue exercendo seu papel de fomentador da igualdade. Peço que todos tomem em suas mãos a responsabilidade e a honra de serem lembrados como aqueles que deram sua contribuição para que o dia da Consciência Negra, aos poucos, e com o progresso social, deixe de ser um dia de luta e passe a ser, com felicidade e orgulho, um dia de celebração de vitórias e da conquista da tão sonhada liberdade sob a forma da cidadania plena, do acesso aos serviços governamentais, do acesso à educação e ao trabalho. E aí está a importância de assumir o papel de fomentador da cidadania negra em épocas de racismo institucional. Resumindo: os descendentes de reis e rainhas, de grandes civilizações e grandes feitos e que jamais serão reduzidos a 300 anos de escravidão porque a identidade negra é, antes de tudo, uma identidade de luta. Viva Zumbi! Viva Dandara! Viva o povo negro!”, ressaltou Erika, arrancando aplausos.

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